O conjunto de termos técnicos sânscritos que formam a nomenclatura da filosofia śuddha necessita ser bem compreendido, pois cada um dos termos apresenta uma gama de significados, dependendo do seu contexto. Esta é a razão, inclusive, pela qual se orienta as pessoas a se familiarizarem com os conceitos expressos por estes termos, evitando a tentação de traduzi-los.
Em seu Prólogo à edição chilena de “Śuddha Rāja Yoga” (1976) de Sri Haṃsa Yogi, Sri Vajera Yogi Dasa, instrutor que introduziu o Śuddha Dharma Maṇḍalam no ocidente, orienta aqueles que desejam se aprofundar na filosofia śuddha, lembrando que os termos técnicos da literatura sagrada, além de apresentarem um significado em cada letra, formam sentenças sintéticas com múltiplos significados. Um destes termos é “Bhāvana”, que expressa o primeiro e mais importante dos três grandes temas de que trata o texto de Haṃsa Yogi. Juntamente com os outros dois temas, Karma e Dhyāna, constituem a base onde o próprio Śuddha Rāja Yoga se assenta. Sem o sentimento inicial de Bhāvana, tanto a ação externa (Karma) do discípulo, como a interna (Dhyāna), são consideradas imperfeitas e incompletas.
No ocidente a palavra “meditação” é utilizada para traduzir várias práticas das tradições espiritualistas da Índia, tornando sinônimos termos distintos como dhyāna, samādhi, dhāraṇā e bhāvana. Enquanto os termos dhyāna e samādhi estão igualmente presentes no budismo e hinduísmo, dhāraṇā aparece mais na tradição hindu e bhāvana surge como um importante conceito na prática budista, significando “cultivar, ou trazer para a existência o sentimento de identificação com a consciência de sagrado”. O termo Bhāvana é utilizado em expressões compostas do Pali (ligeiramente distinto do sânscrito) como citta-bhāvanā (cultivo da mente, desenvolvimento da consciência), mettā-bhāvanā (desenvolvimento do sentimento do amor e da compaixão), paññā-bhāvanā (desenvolvimento da sabedoria) e samādhi-bhāvanā (desenvolvimento do êxtase de sabedoria) para indicar o cultivo das habilidades necessárias à prática da meditação, que os mestres da Escola Theravada do Budismo classificam em samatha-bhāvanā, (desenvolvimento da tranquilidade) e vipassanā-bhāvanā (desenvolvimento da sabedoria intuitiva do coração). O termo Bhāvana, contudo, também está presente no hinduísmo desde as suas origens. No pouco conhecido Bhāvana Upaniṣad do Atharva Veda, por exemplo, Bhāvana aparece associado ao shaktismo (doutrina sobre o poder do aspecto feminino do sagrado, a Mãe Divina, origem de todas as formas) pré-Védico, expressando a unidade entre o conhecedor, o conhecimento e a coisa conhecida. Em textos mais recentes, como o Śrīmad-Bhāgavatam (Bhāgavata Purāṇa), de Śrīla Vyāsadeva, que trata de Krishna (Kṛṣṇa) como Vāsudeva, a Suprema Personalidade (Parameśvara) que reside no coração de todos os seres, o termo Bhāvana e suas variações aparecem inúmeras vezes para designar:
(i) o sentimento de uma mente absorta em felicidade (4.31.20);
(ii) as coisas que existem (3.26.49, 11.10.14-16, 11.13.31, 11.16.1, 11.19.15, 11.20.22, 11.21.7) e
(iii) o Ser Supremo, que é o dispensador de toda a graça (3.14.14, 3.20.49); que cria, mantém e protege a criação (10.1.3, 10.44.49, 10.51.35, 10.72.46, 10.64.5, 10.86.37 e 11.13.18, 11.30.1 e 12.6.48-49) ou atua no mundo como um instrutor (3.24.4).
Cabe destacar que a variante sem acento na primeira vogal, “bhavana” (morada, palácio, criação), também ocorre várias vezes no texto (3.1.10, 3.22.32, 3.23.11, 4.21.5, 4.9.58-60, 5.24.8, 5.24.9, 6.14.14, 8.17.9, 10.2.20, 10.41.20-23, 10.41.43, 10.48.36, 10.56.39, 10.59.38-39, 10.69.7-8, 10.71.31-32, 10.81.28, 10.89.52 e 11.6.31). E não é incomum ocorrer na literatura a confusão de se tomar um termo pelo outro. Daí a necessidade explicitada por Sri Vajera de se aprender a discernir, por esforço próprio, em função do amadurecimento interior, todas estas nuances hermenêuticas, a partir da consulta ao coração e à imensa literatura sânscrita disponível no mundo. Os termos em sânscrito mantêm, em geral, o seu significado essencial ao longo do tempo. Entre as distintas escolas que caracterizam a ortodoxia e a heterodoxia do pensamento indiano, entretanto, a divergência de sentido também ocorre.
Bhāvana deriva de Bhāva, que significa “o vir-a-ser”, ou o processo de manifestação do Ser real, que representa o modo natural e correto de cultivar o campo (kṣetra) dos estados mentais, livre das influências dos sentidos. A mente representa um campo que sempre pode ser cultivado para se alcançar um estado ativo de absorta concentração na realidade do momento presente. Daí resulta o moderno entendimento de Bhāvana como meditação em tempo integral.
Místicos contemporâneos do neo-Vedānta, pré-Śuddha Dharma, como Ramana, por exemplo, mencionam o sentimento de Bhāvana como parte do processo preliminar ao estado de Dhyāna, ou meditação. Ramana define Dhyāna como a capacidade de se manter em estado de sat-cit-ānanda-brahman (estado de existência real, consciência, graça espiritual e identidade com Brahman) o qual transcenderia o sentimento e o estado meramente imaginativo de Bhāvana. Para Ramana, somente em Dhyāna seria possível alcançar a real identificação com o Supremo, pois Bhāvana ainda pertenceria ao plano dual da realidade, caracterizado pela dicotomia sujeito-objeto, representando apenas a atitude do sujeito que constrói o Supremo como um objeto do seu pensamento.
Na Bhagavad Gītā (BhG), texto fundador e fundamental da filosofia śuddha e síntese do pensamento da heterodoxia, representada pelo budismo e outras escolas de pensamento que rejeitam autoridade dos Vedas, e da ortodoxia, representada pelas escolas oriundas da tradição védica, o termo Bhāvana ocorre nos versos 2.66, 9.5 e 10.15, que correspondem, respectivamente, aos versos 18.15, 17.5 e 13.1 da versão da Gītā extraída do comentário de Haṃsa Yogi e publicada pelo Śuddha Dharma Maṇḍalam (ŚDM).
No verso BhG 2.66 (ŚDM 18.15), Bhāvana aparece como pré-requisito do processo de Yoga integral, que conduz à sabedoria, a felicidade e a paz verdadeira. A edição da Gītā de Haṃsa Yogi é especialmente útil para esclarecer o significado de Bhāvana neste verso, pois o capítulo 18 inicia-se com a discussão sobre a natureza necessária e complementar de Bhāva (exteriorização) e Abhāva (interiorização). Enquanto Bhāva expressa o “o vir-a-ser”, Abhāva representa a “cessação do vir-a-ser que é ilusório”, fruto de se cultivar o campo (kṣetra) dos estados mentais sob a influência enganosa dos órgãos dos sentidos. O texto sugere a existência de uma dimensão de Bhāvana até então praticamente desconhecida. A tradução de Vasudeva Row do verso 18.1, entretanto, embora mantenha os termos técnicos Bhāva e Abhāva, não é suficientemente clara quanto ao significado dos mesmos em sua relação de consequência com o conceito de Bhāvana.
Os versos das duas outras ocorrências do termo Bhāvana na Gītā sugerem que Bhāvana transcende aquilo que é possível compreender no neo-Vedānta. No verso BhG 9.5 (ŚDM 17.5) o termo Bhāvana ocorre em uma expressão composta para designar o aspecto transcendental do Ser Universal, causa da manifestação e unidade de todos os seres, e que somente pode ser vivenciado como verdade por aqueles que realizam a grande síntese, ou o Supremo Yoga, que representa o poder de Iśvara. Igualmente, no verso BhG 10.15 (ŚDM 13.1), o termo Bhāvana também ocorre em uma expressão composta para designar a experiência do ser humano (na pessoa de Arjuna) com o Ser Supremo (na pessoa de Krishna), origem do cosmos, morador interno, presente em todos os seres, regente e protetor das inúmeras formas de vida.
De acordo com o Śuddha Rāja Yoga, no início, a prática do Bhāvana aquieta e tranquiliza a mente para que esta possa se conduzir à sua realização espiritual, quando então ela se torna a expressão e marca característica de quem alcançou a realização. Haṃsa Yogi afirma que três coisas facilitam o desenvolvimento desse estado onde a consciência de Bhāvana se desenvolve: (i) o estudo da Yoga Brahma Vidyā, (ii) a associação com pessoas que estão se esforçando para viver os mesmos ideais e (iii) a busca de aprimoramento no Bhāvana por meio dos ensinamentos sobre o Śuddha Dharma. É por isto que Haṃsa Yogi inicia o seu discurso sobre Rāja Yoga afirmando que o Bhāvana constitui o seu primeiro e mais importante componente, expressando a compreensão da Unidade que existe na criação inteira, incluindo todos os seres vivos, os distintos seres espirituais, o meio ambiente, os diversos planos sutis da existência e as suas leis de funcionamento.
Até que se tenha sempre em mente, e que se contemple de forma consciente, clara e serena, a verdade de que tudo se origina da natureza do Supremo Brahman, Haṃsa Yogi recomenda que se cultive esta prática de trazer à lembrança o conceito de Bhāvana, o qual, com o tempo se confunde com os movimentos de exteriorização (Bhāva) e interiorização (Abhāva), inerentes à natureza própria do sagrado. É a esta experiência de identidade com o sagrado que se denomina, adequadamente, de Bhāvana.