Há algum tempo, um fervoroso cristão, de visão muito ampla, e recém consagrado como membro do Śuddha Dharma Maṇḍalam, levantou a questão da relação existente entre Bhagavan Sri Narāyaṇa, Sri Mitra Deva, e o Senhor Jesus Cristo. Embora atraído pelos princípios universais do Maṇḍalam, este membro mostrou-se embaraçado com os personagens que promovem estes mesmos princípios e ensinamentos – Bhagavan Sri Narāyaṇa, o Supremo Regente da Hierarquia do Śuddha Dharma, e Sri Mitra Deva, o Avatāra, nascido em 1919, cuja divina missão de promover a expansão universal da doutrina do Śuddha Dharma Maṇḍalam, estima-se, que se fará sentir, a partir de 1941. Este membro percebe o dever de cultivar a devoção por estas personalidades divinas, mas, sentindo-se extremamente perturbado, diz a si mesmo:
Por ser cristão, amo, ou busco amar, o Cristo com todo o meu coração e, embora eu saiba que o Senhor é Um só, parece-me uma espécie de infidelidade dirigir a minha devoção a uma pessoa diferente do meu amado Senhor Jesus Cristo.
Tal posicionamento acontece com frequência, e tem perturbado muitas almas virtuosas, que se veem numa encruzilhada quando realizam um esforço sério para sintetizar os funcionamentos da existência subjetiva e desatar os nós do coração. A verdade aponta em uma direção; os desejos do coração, em outra; e o meio ambiente ainda tenta nos arrastar para uma terceira direção. Harmonizar estas forças, aparentemente opostas, é realmente uma tarefa árdua. Nesse esforço de harmonização, aqueles mentalmente fracos preferem beber das águas que aprisionam no esquecimento, tanto confiando as suas vidas às leis do acaso e do destino, como assumindo atitudes mais ou menos ofensivas ou defensivas, de acordo com as conveniências do mundo, o que os conduz a uma existência limitada. Já aqueles que são fortes e firmes em suas crenças e convicções, desejando conhecer as coisas como são de fato, para chegar à compreensão da verdadeira harmonia, marca característica de toda a vida, são chamados pelos grandes patriarcas como Dhīra (corajoso, valente). Eles necessitam apenas libertar as suas consciências da escravidão da dualidade e multiplicidade de formas que aprisionam a mente humana. Quando se libertam, conseguem avaliar adequadamente a relação entre os princípios e as personalidades.
Antes de determinar a relação entre as personalidades divinas e os grandes princípios que elas representam, parece necessário examinar melhor o posicionamento expresso acima para testar a sua verdade, o que somente é possível por meio de uma análise racional combinada com a experimentação subjetiva. Na sentença “Eu amo ou quero amar Cristo com todo o meu coração”, a palavra Cristo certamente refere-se a Jesus, o Salvador. A frase “quero amar” revela que o devoto ainda não ajustou completamente a sua mente, não obstante ele sentir algo que positivamente é amor a Ele. Em outras palavras, a mente deste membro permanece aberta, apesar das limitações das crenças que herdou em função da religião onde foi educado. Este aspecto da sua mente que permaneceu livre permitiu-lhe apreciar os elevados princípios do Śuddha Dharma por si sós. A mente emocional (aśuddha manas), entretanto, como tende a reverenciar a forma, perturbou-se, levando o devoto a vacilar, dizendo “embora eu saiba que o Senhor é Um só, parece-me uma espécie de infidelidade dirigir a minha devoção a uma pessoa diferente do meu amado Senhor Jesus Cristo”.
A preferência por uma personalidade, quando bem acompanhada do conhecimento dos princípios que ela representa, pode ser de grande valia na determinação do lugar e da ordem de outras personalidades que surgiram no mundo, uma vez que são os princípios que originam as personalidades, e não o contrário. Deste modo, é óbvio que a reverência aos princípios, antes que às personalidades, quaisquer que sejam elas, constitui um passo definitivo em direção ao aprimoramento da inteligência. Devem-se abstrair os princípios das personalidades e isto somente pode ser realizado quando a razão pura, ou śuddha manas, está em funcionamento. Quando isto se sucede, o lugar dos princípios e das personalidades é avaliado com propriedade. Seria um equívoco proceder de outro modo.
A doutrina do Śuddha Dharma é singularmente única por libertar a razão pura, ou śuddha manas, das obsessões relacionadas com a sua contraparte aśuddha (mente emocional). A doutrina Śuddha também auxilia a evolução humana em sua marcha para a grande meta, representada pela descoberta do Espírito, dos planos materiais onde ele funciona e pelo conhecimento, com vistas à realização aqui e agora, de como tal funcionamento se dá como Yoga.
Vamos agora investigar o princípio diretor (os princípios gerais são bastante conhecidos) pelo qual Jesus viveu e morreu. Um estudo detalhado das doutrinas do Cristianismo poderá mostrar que o desenvolvimento do lado devocional do ser humano em relação a Deus e o reconhecimento do governo moral do mundo, com base no projeto teísta [ou seja, aquele que defende a crença monoteísta e o consequente entendimento de Deus como pessoa, tal qual descrito na Bíblia, e que não reconhece o aspecto transcendente de Deus, nem enquanto puro princípio inteligente (Brahman), nem em qualquer modalidade de monismo ou panteísmo.], constituem a quintessência do seu ensinamento. Tal ensinamento purifica o veículo emocional do homem, preparando-o para avançar no processo evolutivo. Do mesmo modo se dá com as demais religiões teístas. A doutrina da fraternidade, fundada em ações cooperativas, visando a evolução pela via da ação, é a nota predominante nos ensinamentos de Maomé. Já o Senhor Buda enfatiza a necessidade da harmonização intelectual nas relações com todas as formas de vida, visando a evolução pela via do conhecimento
Enquanto as três grandes religiões cristianismo, islamismo e budismo tomam os seus nomes dos seus fundadores e auxiliam nos processos de desenvolvimento humano nos aspectos necessários em cada caso [a devoção no cristianismo; a ação no islamismo; e o conhecimento no budismo] os Cânones do Sanātana Dharma, cuja antiguidade provoca perplexidade, tratam da síntese destes três importantes aspectos [do ato integral], representados no Yoga como aspecto transcendental. A sua relevância deve-se aos seus princípios, antes que às suas personalidades; e assim é para que fique claro que não apenas uma, mas muitas personalidades contribuíram para a revelação destes princípios.
A religião conhecida como hinduísmo, embora argumente legitimamente pelo Sanātana Dharma, rejeita o importante aspecto do Yoga como expressão de síntese da atividade das faculdades do conhecimento, das emoções e das ações humanas. Não é difícil perceber que os três grandes Ācāryas do hinduísmo, Shankara, Ramanuja e Madhva, que determinaram a natureza do Espírito, meramente a partir de cada uma das três faculdades – do intelecto, da mente emocional, e da atividade –, ignoravam a via da síntese. Em consequência, formaram-se três escolas distintas de pensamento Vedānta – Advaita (não-dualismo), Viśiṣṭādvaita (não-dualismo qualificado) e Dvaita (dualismo) – todas, embora entusiastas do Sanātana Dharma, rivalizando entre si, por desconhecerem o aspecto de síntese, ou Yoga.
As três grandes religiões do mundo [cristianismo, islamismo e budismo], embora sem se filiarem ao Sanātana Dharma, expressam, igualmente, estas mesmas três dimensões do hinduísmo (Vedānta). Estas tradições, entretanto, não expressam, individualmente, aquilo que as unifica, ou seja, o sagrado Yoga, tal como revelado na Escritura das Escrituras Sagradas, a Bhagavad Gītā. A grandeza e a complexidade dos conceitos que permeiam o texto da Bhagavad Gītā é tal que possibilitou aos três grandes Ācāryas elaborarem conclusões distintas com relação à meta a ser alcançada. A Bhagavad Gītā representa um tratado cósmico, milagrosamente revelado para o benefício de toda a humanidade, ou seja, para todos em busca da mais alta realização espiritual e material, pois ela trata em sua disciplina de Yoga destes dois aspectos [material e espiritual] do transcendente Brahman [Supremo Princípio de Consciência Cósmica]. O Senhor Krishna, um Avatāra de Bhagavan Sri Narāyaṇa, o Senhor de Badari, nos Himalaias, revelou este princípio supremo para a realização de Brahman no momento psicológico favorável para o restabelecimento do Dharma, no limiar da guerra do Mahābhārata.
Tanto o Mahābhārata como outros textos da literatura espiritual fazem menção à existência de uma grande Hierarquia que governaria a Terra, com Bhagavan Sri Narāyaṇa como o seu regente principal. Esta grande Hierarquia, composta por Mahatmas, Siddhas, Rishis, Yogis e outros Adeptos dotados de poderes para a execução de suas missões, zelaria pelo bem-estar do mundo, em atendimento às orientações de Bhagavan Sri Narāyaṇa. O nome desta grande hierarquia, sob a direção de Sri Narāyaṇa, de onde, de tempos em tempos, são enviados os grandes Mestres de Sabedoria, os Fundadores das Religiões e outros seres elevados para dar a necessária condução aos seres humanos, em consonância com as suas necessidades, é Śuddha Dharma Maṇḍalam.
Embora residindo em Uttara Badari nos Himalaias, em forma sutil, com Sri Yoga Devi como sua consorte, com Nara, que representa um fragmento (aṃśa) de si mesmo, e com trinta e dois Siddhas (Adeptos) que auxiliam no governo do mundo; em épocas críticas da história mundial, uma parte do próprio Bhagavan Sri Narāyaṇa manifesta-se como Avatāra, tal como se deu quando ele se manifestou em Rama, Krishna, e outros.
Na ocasião em que o Śuddha Dharma Maṇḍalam foi reorganizado, nos primórdios do Kali Yuga, há cerca de aproximadamente 12.000 anos, Bhagavan Sri Narāyaṇa teria revelado a respeito de si mesmo: “ahaṃ brahmāṃśa sam-bhūto brahma jyotir-māyo ṛṣiḥ, viṣṇor-loka-hitārthāya yato ‘haṃ badarī-vaṇa” – “Eu sou o Rishi nascido de um fragmento de Brahman, radiante com a sua luz. Desci de Viṣṇu para Badarī Vaṇa para a proteção do mundo.” E em seguida, dirigindo-se a sua consorte, teria dito: “você foi Sita, quando eu era Raghava (Rama), foi Rukmani quando eu era Krishna, e em todas minhas outras encarnações você foi minha consorte, auxiliando-me em meu trabalho.” Fica claro que o Senhor Krishna representa, em forma humana, o próprio Bhagavan Narāyaṇa, o diretor da Hieraquia, e que o Arjuna da Gītā representa o seu secretário Nara. Também fica claro que o grande trabalho no qual Krishna e Arjuna estavam envolvidos era o de proteção do mundo e o restabelecimento da justiça e retidão (Dharma).
Jesus, Maomé, Buddha e uma legião destes grandes seres, que surgem no mundo de tempos em tempos, constituem os Mestres que formam uma parte da divina Hierarquia sob a direção de Bhagavan Narāyaṇa. Todos estes Mestres discutiram sobre a Divindade Suprema que existe nos céus e se referiram a si mesmos somente como seus mensageiros. O Senhor Krishna, entretanto, apresenta-se na Bhagavad Gītā como o representante Supremo de Brahman: brahmano hi prathiṣṭhāhaṃ – eu sou o representante do Supremo Brahman. E Krishna, unicamente, refere-se à presença da essência sagrada em todos os seres (bhūtas) como Ātman, ensinando na Bhagavad Gītā, conjuntamente, os princípios e a ciência para a sua realização, a Yoga Brahma Vidyā. As declarações atribuídas a Sri Narāyaṇa a esse respeito são extraordinárias. Ele afirma: “Sempre que o ancestral dharma decai entre os homens, desço com meus auxiliares que auscultam os mistérios e então, como um rei, regulo e restauro os mundos, exercendo as funções pertencentes aos cinco modos das manifestações divinas.” E acrescenta: “Eu anuncio o décimo quinto código, o mais elevado Śastra [Escritura Sagrada] para a proteção dos mundos, e impulsiono a outros a fazerem o mesmo. Crio, deste modo, os grandes seres que participam de minha natureza.” Daí se concluir que Bhagavan Sri Narāyaṇa seja o Supremo Regente da Hierarquia da qual fazem parte todos os grandes seres que apareceram no mundo.
Da mesma maneira se diz que o Senhor Mitra Deva é o Mahatma que se manifestou como o Senhor Encarnado, compartilhando de um fragmento (aṃśa) do Senhor Narāyaṇa. Nascido no ano de 1919, no Puṣya Śuddha Pūrṇimā (noite de lua cheia de janeiro), quatro anos após a revelação da existência do Śuddha Dharma, Mitra Deva tem por missão a implantação dos princípios desta organização, os quais, se espera, em função do seu saṃ-kalpa (propósito, voto, resolução), se farão sentir no mundo a partir de 1941. Isto, soube pelos Seniores do Maṇḍalam.
Em suma, no processo da evolução humana, os princípios são mais importantes que as personalidades. As personalidades surgem para dar a necessária direção e logo desaparecem. São os princípios que elas reintroduzem no mundo que devem ser colocados em prática em nossas vidas.
A doutrina do Śuddha Dharma, que é Sanātana Dharma em seu aspecto transcendental, expressa o Yoga e representa a mensagem sobre o que é requerido para que a humanidade possa combater o presente estado de caos e alcançar a paz e a felicidade. Bhagavan Narāyaṇa também afirma que o caminho para tal fim está no Yoga, unicamente, que representa a via suprema.
À medida que a compreensão da relação entre estes Grandes Seres e o modo de vida exposto nos princípios enunciados no Śuddha Dharma for se desenvolvendo entre os homens, a presença de Mitra Deva irá se tornando mais concreta. Prestamos, portanto, reverência a todos os grandes Mestres que caminharam pela Terra pelo bem da humanidade, reconhecendo que todos eles pertencem à Grande Hierarquia do Śuddha Dharma Maṇḍalam. E ainda assim, devemos nos lembrar, os princípios são mais importantes que as personalidades – aqui reside o segredo para a libertação do espírito, que conduz ao júbilo, ao contentamento e a paz.
AUM TAT SAT
Sri T.M. Janardanam
FEVEREIRO DE1937