Se você for poeta, verá nitidamente uma nuvem passeando nesta folha de papel. Sem a nuvem, não há chuva. Sem a chuva, as árvores não crescem. Sem as árvores, não se pode produzir papel. A nuvem é essencial para a existência do papel. Se a nuvem não está aqui, a folha de papel também não está. Portanto, podemos dizer que a nuvem e o papel “intersão”. “Interser” é uma palavra que ainda não se encontra no dicionário, mas se combinarmos o radical “inter” com o verbo “ser” teremos um novo verbo – Interser.
Se examinarmos esta folha com maior profundidade, poderemos ver nela o sol. Sem o sol, não há floresta. Na verdade, sem o sol não há vida. Sabemos assim que o sol também está na folha de papel. O papel e o sol intersão. E se prosseguirmos em nosso exame, veremos o lenhador que cortou a árvore e a levou a fábrica para ser transformada em papel. E vemos o trigo. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o pão de todo dia. Portanto, o trigo que se transforma em pão também está nessa folha de papel. O pai e a mãe do lenhador também estão aqui. Quando olhamos dessa forma, vemos que sem todas essas coisas, essa folha de papel não teria condições de existir.
Ao olharmos ainda mais fundo, também nos vemos nesta folha de papel. Isso não é difícil porque, quando observamos algum objeto, ele faz parte de nossa percepção. Sua mente está aqui, assim como a minha. É possível, portanto, afirmar que tudo está aqui nesta folha de papel. Não podemos simplesmente ser sozinhos e isolados, temos de interser com tudo o mais. Esta folha de papel é, porque tudo o mais é.
Imagine devolver um dos elementos à sua origem. Imagine devolver a luz do sol ao sol. Você acha que a folha de papel ainda seria possível? Não, já que sem o sol nada pode existir. Se devolvermos o lenhador à sua mãe, tampouco teremos a folha de papel. O fato é que esta folha de papel é composta apenas de elementos não-papel. Se devolvermos esses elementos que não são papel as suas origens, não haverá papel algum. Sem esses elementos não-papel, como a mente, o lenhador, o sol e assim por diante, não haverá papel. Por mais fina que esta folha seja, tudo o que há no universo está nela.
O texto acima foi extraído de Paz a Cada Passo, de Thich Nat Hanh (Rio de Janeiro: Rocco, 1993. ISBN:85-325-0383-7.).
Ainda sobre este tema, circulam pela internet algumas variações de um texto supostamente oriundo de uma inscrição rupestre tibetana, datada de 3000 a.C., onde o conceito de Inter-Ser começa a ser delineado mais ou menos nos seguintes termos:
O Deus Átomo (Ātman)
Repousa nas rochas,
Cresce nas plantas,
Anda nos animais,
Pensa nos homens,
Ama nos anjos...
Por isso, respeite:
As rochas como se fossem plantas,
As plantas como se fossem animais,
Os animais como se fossem homens e
Os homens como se fossem anjos.
Há quem argumente que, no Egito, Hermes Trismegisto também teria dito algo como “a pedra se converte em planta; a planta em animal; o animal em homem, o homem em Espírito; o Espírito em Deus.” E existe ainda uma variação hindu que ensina: "a alma dorme na pedra, sonha no vegetal, se agita no animal e desperta no homem." Do mesmo modo, mais recentemente, também encontramos o seguinte nos escritos de Leon Denis:
Na planta, a inteligência dormita; no animal, sonha; só no homem acorda, conhece-se, possui-se e torna-se consciente; a partir daí, o progresso, de alguma sorte fatal nas formas inferiores da Natureza, só se pode realizar pelo acordo da vontade humana com as leis Eternas. (Leon Denis. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Rio de Janeiro: FEB, 1989. p. 123).
O conceito de Interser, aos poucos, chegou a realidade brasileira, conforme se vê nos trabalhos desenvolvidos, por exemplo, pela Escola do Meio Ambiente (EMA) em Botucatu, inaugurada em 2005. Inspirada na simplicidade e na natureza, a Escola do Meio Ambiente busca, a partir do conceito de Interser, sensibilizar para a percepção da nossa interdependência com a natureza.a