Paralelo entre o Pensamento da Teosofia e o Pensamento do Suddha Dharma Mandalam

(Este texto é a tradução do discurso lido, em 22 de julho de 1917, na Federação Teosófica dos Distritos Tamil, em Chingleput, Índia. Ele foi zelosamente transcrito e publicado por Sir Subrahmanya Iyer, em setembro do mesmo ano).

Afirmar que a Teosofia é Brahma Vidya1, e que é a única fonte de todos os grandes sistemas de filosofia e religião no mundo são afirmações falsas para os membros da Sociedade Teosófica que se esforçaram em estudar seus ensinamentos, comparando-os às doutrinas fundamentais de outros sistemas filosóficos.

Freqüentemente somos informados de que um dos deveres dos teósofos consiste em procurar vitalizar a crença religiosa das pessoas que professam outras religiões, tanto quanto lhes sejam possível, infundindo-lhes uma fé mais profunda nos principais dogmas da própria religião, tal como lhes foi ensinada, com toda sua pureza, nos primeiros tempos, mas que foi enfraquecida com o passar dos anos.

Sem a menor intenção de querer gerar contendas, falando a favor do sistema Indo-Ariano, atrevemo-nos a dizer que há um dever especial a cumprir, por parte dos teósofos hindus, já que os sistemas filosóficos e religiosos hindus formam a grande herança da Quinta Raça Raiz, a qual pertence a maioria da população da Índia. É quase desnecessário dizer que temos utilizado “chaves” da Teosofia, para aclarar algumas das declarações obscuras que se encontram nos Livros Sagrados Hindus, sobre temas de alta e real importância. Esses estudos comparativos, se nos é permitido usar tal expressão, com respeito aos nossos esforços nesse sentido, tem sido proveitosos e esclarecedores. Não vacilamos em afirmar que um trabalho similar, efetuado por membros da Sociedade Teosófica que possuam verdadeira capacidade para tal tarefa, será uma iniciativa altamente valiosa para os interesses, tanto da Teosofia, como do hinduísmo.  Visando a estimular aqueles, entre nós, que continuam inclinados a ocuparem-se de tão preciosa investigação, aproveitamos esta oportunidade para chamar-lhes a atenção para alguns pontos que apóiam nossa insistência nessa matéria.

Nós sabemos que existe uma Organização Esotérica, chamada Suddha Dharma Mandalam, sobre a qual fizemos uma breve descrição no decorrer de quatro artigos publicados em “The Theosofist”, no ano de 1915, como também em edições posteriores. Desde que esses artigos foram escritos, um ou dois membros muito elevados dessa Organização possibilitaram-nos, com a colaboração do Pandit K. T. Srinivasachariar - outro membro da mesma Organização, que é também teósofo - tornar públicos, pela primeira vez, pequenos trechos do grande corpo da literatura, sob a custódia de tais elevados membros, ainda desconhecida pelo público em geral. Nossas publicações são feitas sob o título “Suddha Dharma Mandalam Séries”. O primeiro volume publicado traz a hábil tradução ao inglês, feita pelo Babu Bhagavan Das, do texto em sânscrito de título “Pranava Vada”. Outros livros estão também ao alcance do público, como “Yoga Dípika” e a primeira parte de outra extensa obra que leva o nome de “Sanátana Dharma Dípika” ou “Anushtana Chandrika”, além de uma inovadora e completa edição do Bhagavad Gita.

Como se pode deduzir, de acordo com nossa descrição a respeito da Ordem que estamos tratando, os textos citados e publicados, provêm de uma Organização que assegura, com fundamento, ser formada por membros de uma organização ancestral que trabalha sob as ordens da Grande Hierarquia, encarregada de conduzir nosso planeta, dirigida por Bhagavan Narayana, o Iniciador Único e Senhor do Mundo.

A constituição, as leis e outros detalhes relacionados a essa Hierarquia encontram-se descritos extensamente no livro Sanátana Dharma Dípika, já traduzido ao inglês2. É preciso dizer que parte dos objetivos dessa Organização, refere-se a explicações verídicas dos ensinamentos constantes das Escrituras Hindus. Parece-nos que há bastante para aprender nas duzentas ou trezentas páginas que formam a segunda, terceira e quarta séries de livros publicados pelo Suddha Dharma Mandalam, cumprindo assim a relevante missão que nos comprometemos em concluir. Das publicações referidas são retiradas as explicações que utilizamos no desenvolver do estudo comparativo já mencionado.

Quanto a alguns temas relacionados ao nosso estudo, destacamos, antes de mais nada, as observações feitas por dois dos nossos dirigentes: a Senhora Besant e o Senhor Leadbeater, que são conhecidos pela capacidade de acessar as inscrições nos planos Akásicos3, de onde obtiveram conhecimento para escrever “Fendas no Véu do Tempo” e a grande obra, “O homem, de onde veio e para onde vai”. Apesar da opinião e das dúvidas sustentadas por muita gente, e talvez por membros da própria Sociedade Teosófica, quanto a dar crédito a tais observações, há um número considerável de pessoas que sabem que essas leituras Akásicas proporcionam informações verídicas e dignas de confiança em relação aos temas tratados, ou seja, sobre as vidas passadas de personagens conhecidos, e sobre a história de nosso sistema mundial e do homem que o habita. São informações de valor inquestionável para os que estudam a evolução humana, a Lei do Karma em relação à evolução, e outros temas elevados igualmente interessantes. Estamos seguros de que aqueles que sustentam tal ponto de vista sobre a leitura das inscrições Akásicas, confirmadas também por suas investigações, aceitarão as afirmações contidas na literatura do Suddha Dharma Mandalam, uma vez que elas, inequivocamente, reforçam a existência dessas inscrições Akásicas, origem das descrições mencionadas pela Sra. Besant e Sr. Leadbeater. Entre essas descrições, podemos fazer referência às passagens citadas em uma nota do nosso prefácio no Yoga Dípika4, que diz o seguinte:

“No plano da mente pura, no quinto subplano do mundo mental, reina o Senhor Chandabhanu, controlando todos os sons. Os Seres Celestiais de Sua corte, chamados Budhas, estão sempre ocupados em arquivar os sons e conservá-los mediante seu próprio poder no éter do plano Akásico. Esses sons servem de ajuda ao cumprimento das funções de Brahm, dos Sábios que tenham realizado seu Ser e de outros Hierarcas. É a pronúncia desses sons que serve a todos esses Grandes Seres para que cumpram suas várias funções. Os Hierarcas são capazes de perceber e manejar esses sons por meio de poderes Yóguicos, como também podem conferir a outros a mesma capacidade de percepção”.

“Conhecedores de Brahm, e de Grandes Sábios como Vyasa, os Hierarcas descrevem, com reverência amorosa e palavras de suprema pureza, o Parabrahman como O viram em suas mentes imaculadas. Essas descrições e sentenças foram inscritas nas Tábuas Akásicas e são mencionadas como Vedas, seus Angas ou capítulos, bem como os Upangas ou sub-capítulos. Além disso, Yogues, por meio do conhecimento daquelas palavras e sentenças formaram-se os sagrados Ithihasas e os Puranas que são histórias de erudição tradicional; também são tiradas dessas inscrições eternas outras artes e ciências. Os Hierarcas do Suddha Dharma Mandalam, que ascenderam ao grau de Vyasa, ou outros graus semelhantes, lêem, mediante o poder Yóguico, com visão ampliada, tais registros escritos nas Tábuas Akásicas. Depois do Pralaya ou período de repouso ou inatividade, informam para o bem-estar do mundo, o que leram, revelando apenas o que servirá de meio para a compreensão correta de todas as circunstâncias havidas no tempo e no lugar preciso.”

Essas passagens são tão claras que tornam supérfluos outros comentários. Elas confirmam inequivocamente a verdade, visto que foram adequadamente utilizadas nos capítulos dos livros “Fendas no Véu do Tempo” e “O homem, de onde veio e para onde vai”. Além disso, as citações em questão acrescentam inapreciável clareza sobre a gênese dos Vedas, aceitas, com toda razão, desde tempos imemoráveis, como verídicas, através da Revelação, considerando sua origem conforme descrito nos extratos mencionados.

Desejamos agora mencionar a importante Ciência da Moksha ou liberação. Pode parecer presunçoso de nossa parte dizer que não há outro tópico sobre o qual prevaleça maior equívoco de conceito, mesmo entre nossos eruditos Pandits. Certamente todos sabem que os nomes das quatro etapas de liberação são Salokya, Sarupya, Samipya e Sayujya. Aceita-se geralmente, que Sayujya seja a etapa mais elevada e a maioria das pessoas iludem-se com a idéia de que a meta final do homem é a absorção completa na Divindade e que quando isso acontece, o Ego converte-se em Brahman e alcança uma condição que transcende qualquer descrição. Essa, como vocês sabem, não é a conclusão a que chega a Teosofia. Se há alguém disposto a por em dúvida a veracidade de nossa posição com relação a esse ponto, chamamos sua atenção às seguintes palavras do famoso livro “Luz no Caminho”: Entrarás na Luz, mas nunca chegarás à Chama. Essa única linha expressa, com felicidade sem par, a suprema verdade de que a evolução do homem consiste na aproximação eterna à Divindade. Assim também é a doutrina exata ensinada pelos Mestres do Suddha Dharma Mandalam. Sustentam Eles que Sayujya encontra-se em nível mais baixo que Samipya, ou aproximação ininterrupta a Brahman, sendo esse o último estado que é possível alcançar. Não temos o tempo necessário para entrarmos em detalhes e darmos os argumentos por meio dos quais chegaremos a um conhecimento completo de tudo isto, portanto contentemo-nos em citar o que expusemos sobre tal tema nas páginas 33 e 34 do prólogo ao Yoga Dípika:

“O último e quarto ponto que requer comentário é a declaração sustentada pelos conhecedores de Brahman de que, das quatro bem conhecidas formas de liberação, a Samipya é superior às outras três - Salokya, Sarupya e Sayujya. Tal declaração pode, à primeira vista, parecer incorreta, mas bastará um pouco de reflexão para que haja convencimento de sua exatidão. Certamente, a idéia de absoluta dissolução no Parabrahman, de qualquer entidade, humana ou não, é, pela própria natureza das coisas, impossível. No cosmos infinito, há uma única diferença entre o Absoluto e a transcendência: a ausência da condição monádica, ou individualidade, no primeiro (no cosmos), e sua presença no segundo (na transcendência da individualidade). O Parabrahman, em si mesmo, é uma manifestação essencial. Ele é a única fonte da individualidade, sendo todos os indivíduos, por inumeráveis que sejam, simplesmente uma partícula Dele. Portanto, sustentar que um Ego humano pode ser completamente absorvido pelo Parabrahman, sem possibilidade de retornar a sua existência condicionada, é afirmar a aniquilação de sua individualidade e assim necessariamente, negar o propósito de todo o processo evolutivo. Em outras palavras, equivale dizer que o Parabrahman é uma tumultuosa e caótica massa, em vez de ser um perfeito e consciente poder em todo o cosmos. A única escapatória para tal posição equivocada é admitir a interminável continuidade dos Egos, com uma expansão sem limite de conhecimento interior, sempre em aumento. E a conseqüência necessária de tal consideração é uma aproximação eterna, de qualquer indivíduo, ao estado Brâhmico. Os gloriosos indícios dessa aproximação, são: uma felicidade inexpressível, que cresce constantemente em intensidade, um poder que se expande, trazendo consigo compaixão sem limite, e uma sabedoria que continua sendo adquirida à medida que os véus, um após o outro, desintegram-se ante a estarrecida vista da Alma liberada.”

Alguns de nós usamos no curso de nossas meditações diárias frases importantes como: “Há um poder que renova todas as coisas. Vive e move-se naqueles que conhecem o Ser Supremo como Uno. Que esse Poder aperfeiçoe-nos etc. ” O que é esse Poder? Sobre esse assunto nossas idéias, de nenhum modo, são definitivas e claras por muito tempo, e estamos certos de que esse conceito também preocupa a muitos membros da Sociedade Teosófica. Contudo, felizmente, nossas dúvidas a respeito são, desde então, completamente dissipadas por reiteradas exposições que encontramos nos textos chamados “Dharma Dípika” e “Yoga Dípika”, como também nos comentários de Gobhila sobre o “Bhagavad Gita”, aos quais em outras ocasiões referir-nos-emos. Essas exposições levaram-nos a identificar o Poder invocado em nossas meditações, como sendo o Chit Shakti de Brahman, acrescido da devoção e da adoração que são indicadas pelas Autoridades, como condição “sine qua non” para lograr a meta final.

Presumimos que a maioria de nós está consciente de que a devoção à Shakti5 tem sido matéria de muita controvérsia entre as diferentes escolas de filosofia deste país. O ponto de vista da Escola Sankya pode ser citado como exemplo. Os seguidores dessa escola, por certo aceitarão, por um lado, ao Parabrahman e por outro, a Mula Prakriti; mas ignorarão o Logos e a Sua Shakti ou Luz. Foi essa circunstância que os levou a serem chamados Sankhyas Nirishwaras ou ateístas, como foi bem indicado pelo falecido Sr. T. Subba Row, em seu hábil discurso sobre o Gita (edição 1912). Sri Krishna fala no Gita do Apara Prakriti e do Para Prakriti, descrevendo este último, como a vida que sustenta todos os mundos, enquanto que Para Shakti realiza o trabalho de criação, preservação e desintegração de todas as coisas no cosmos. E em nenhuma outra parte está escrita explicitamente essa verdade senão no verso inicial do Saundariya Lahiri:

“Shiva é incapaz de mover sequer uma pequena palha, a menos que esteja em combinação com Sua Shakti”.

Muitas são as passagens no Gita em que Sri Krishna põe ênfase na natureza suprema das funções da Shakti. A Ela Sri Krishna refere-se, nos versos que começam com as palavras “Sua Luz”. Novamente diremos que é por meio dessa Luz, que é possível ao homem alcançar a meta suprema, de acordo com a bela frase citada quando foi feito o debate sobre a liberação. Não é de se estranhar, portanto, que os Mestres da Sociedade Teosófica e os Mestres do Suddha Dharma Mandalam prescrevam a necessidade de invocar essa Luz e Poder, como o único meio que nos leva aos pés do Logos ou do Ishwara. Precisamente, assim como o teósofo faz sua invocação ao Poder da Luz, à hora do alvorecer, rogando pelo seu próprio progresso, igualmente, faz o discípulo do Suddha Dharma Mandalam, ao invocar a curta e solene oração a seguir:

“O Parabrahman é de inigualável bem-aventurança. Sua imagem em nós mesmos é a Verdade. As almas perfeitas que realizam isto, com mente equânime, tomam contato com o glorioso Poder Divino, e, dessa maneira, alcançam O Supremo. Eu sou imortal. Eu sou eterno. Que todos os seres alcancem felicidade”.

É interessante acrescentarmos que o Bringi Maharishi foi exemplo perfeito de quem não seguiu esse caminho quando buscou a liberação e, por isso, fracassou. Diz-se, figurativamente, que ele perfurou um buraco na forma Ardhanari de Shiva, para adorá-Lo separado de Sua Shakti, e por isso viu-se frustrado em seu intento.

Valer-nos-emos de algumas exposições de Gobhila e compará-las-emos com pontos de vista das autoridades do Suddha Dharma Mandalam à medida que estes relacionam-se com os ensinamentos teosóficos e outros pontos, aos quais nos referiremos a seguir. As exposições nas quais nos baseamos encontram-se numa obra composta de 10.000 versos, nos quais são feitos comentários sobre o Mahabhárata, chamados Karikas. Podemos dizer, sem exagero, que nada ultrapassa aos Karikas, quer seja analisando-os do ponto de vista da substância da obra, ou da apresentação de seus temas. Tal como mencionamos no prólogo da última edição do Gita, os escritos de Gobhila fazem parte dos que, segundo disse Bacon, devem ser “não meramente saboreados e engolidos, mas também mastigados e digeridos.”

Analisando alguns dos pontos restantes, das citações dos Karikas, publicadas na edição completa do Gita e no Dharma Dípika, conclui-se que Gobhila adota uma posição idêntica à sustentada pelos teósofos, ao assegurar que só há uma fonte da qual derivam todos os sistemas conhecidos de filosofia e religião, cujo nome é Suddha Darsana. A palavra Suddha, nessa frase, é sinônimo de Parabrahman. Portanto Suddha Darsana é a ciência ou a filosofia do Absoluto. Da mesma forma que os teósofos, Gobhila condena, sem vacilar, toda intenção, por parte dos seguidores de algumas crenças religiosas, de depreciarem outras religiões. Ele sustenta que a única atitude correta, por parte dos seguidores do Suddha Darsana, é de absoluta compreensão, buscando encontrar as verdades existentes nas diferentes crenças que se ramificam do tronco original. Que tal preceito é seguido por Ele mesmo, fica visível no notável exame dos diferentes sistemas filosóficos que floresciam em seu tempo.

Em nosso prólogo no Dharma Dípika (pág. 7-13) encontra-se uma breve análise desse exame de Gobhila, e estamos certos de que muitos membros da Sociedade Teosófica encontrarão nele informações exatas, justas e instrutivas dos sistemas de Filosofia Jaina e Budhista, com explicações notáveis, quanto as derivações dos termos Madhyamika, Sowtrantika, Yogachara e Vaibashika, que são os nomes das quatro grandes Escolas Budhistas. Não podemos deixar de acrescentar que ao referir-se a Jiná, o fundador original do Jainismo, e também a Budha, Gobhila utiliza termos de reverência sem limites, e diz que ambos foram mensageiros da Hierarquia, enviados para elevar a humanidade submersa na ignorância e no ateísmo, durante o tempo de suas respectivas missões.  Os povos, que na época os dois mensageiros vieram elevar, são denominados Charvakas, por Gobhila. Os Charvakas, há razões para se pensar, como argumentamos no prólogo do Dharma Dípika, foram os remanescentes da Raça Atlante que escaparam de perecer quando aconteceu a submersão de Posêidon por volta do ano 9.000 a.C. Vale a pena notar que Gobhila fixa a data de Jiná por volta do ano 7.000 a.C. data esta que merece verificação por parte daqueles com competência para empreender tal tarefa.

O último ponto que trataremos é um dos que foi abordado pelo falecido Sr. T. Subba Row numa de suas conferências na convenção de 1886. Esse estudioso erudito e ocultista chamou a atenção para a proeminência outorgada ao número dezoito no Mahabhárata, como também no Bhagavad Gita, mas absteve-se de entrar em explicações sobre ele. Não veio de nenhuma fonte luz alguma que esclarecesse o tema, exceto o que consta nas explicações dadas por Gobhila. Portanto, só podemos sentir gratidão por ele outorgar tão interessante explicação. Talvez seja suficiente para o leitor desse escrito, que se exponha a substância dos versos, em vez de traduzi-los. Tal substância, pode ser expressa da seguinte forma:

“Só dois assuntos são tratados no Mahabhárata: Brahman e o Adhikari ou aspirante. Brahman, o primeiro, deve ser buscado de três maneiras: primeiro, como objeto da busca do aspirante; segundo, como meio para alcançar o objetivo; terceiro, como a Realização. Se tomarmos a busca a Brahman como meio para alcançar o objetivo do aspirante, temos o Samsara ou a existência condicionada ou cíclica. As três Gunas que trabalham nelas são Satwa, Rayas e Tamas - ritmo, mobilidade e estabilidade, respectivamente. Com referência aos dois caminhos de Pravritti (vinda) e Nivritti (volta) essas três qualidades convertem-se em seis, e submetem-se as duas leis de Adhoshrshti e Urdhvashrshti, ou seja, as criações ou evoluções descendentes e ascendentes.

Ao tomarmos a Brahman como objeto de busca do aspirante, Ele apresenta-se como duplo, uma vez que se compõe de Paramatma e Atma. Este último, conhecido também como Jiva, desenvolve Tatwikam ou propensão para a atividade; Rasikam, ou propensão ao desejo e Chaitanikam ou propensão ao conhecimento. Essas qualidades, ou atributos, duplicam-se em relação aos mencionados caminhos. Por último, com referência a Realização, que não é outra coisa senão lograr o conhecimento de Brahman, existem os elementos primários Suddha Sátwico, Suddha Rajásico e Suddha Tamásico, duplicando-se pela mesma causa já dita. Os dezoitos restantes são tratados nos dezoitos Parvas ou Seções do Mahabhárata.”

Os dezoitos Parvas constituem os três pés do Gáyatri, que dão origem ao Pranava e convertem-se no Mantra Mata, ou a Mãe de todo Conhecimento, Ciências e Artes. Mas Brahman, o Ser Único, em seu aspecto Samashti ou indiviso, possui, como o sol, o glorioso poder de criar, preservar e desintegrar, formando o quarto pé. Conseqüentemente o Mahabhárata de 24.000 slokas, tem quatro divisões ou grupos, como foram compostos originalmente. Essa parte da obra de Vyasa é considerada a essência mesma do quinto Veda. Este nome foi dado ao Mahabhárata por indicar o caminho para o quinto e maior dos Purushartas, ou seja, a Prapti, que faz conhecer o supremo estado de Brahman, seguindo o Samipya, ou a eterna aproximação a Ele. Estamos certos de que a magistral explicação dada é clara e veraz, e que deve ser aceita por todos os estudantes intuitivos.

A última parte da citação de Gobhila, dada anteriormente, conduz-nos a acrescentar algumas palavras em relação à última edição do Gita. A diferença que há nessa última edição, e as outras, reside no fato de que o discurso total está dividido em 26 capítulos, em vez de dezoito6. No que concerne aos conteúdos atuais da obra, há pouca ou nenhuma diferença entre as edições antigas e a nova. Mas a ordenação na nova edição é feita inteiramente sobre outra base, que é o Gáyatri de quatro pés, como se diz correntemente.  Essa exposição do Gita é reconhecida nos principais e conceituados Upanishads, como o Chandogya e o Brihataranyaka, nas passagens que indicam a adoração à Brahman, à luz do símbolo do Gáyatri. Na passagem do Chandogya Upanishad sobre este ponto, afirma-se que cada pé do Gáyatri tem seis dedos. Por isso que o número total de capítulos na autêntica edição do Gita é de 24, pois cada série de seis, constitui um pé. O capítulo primeiro e o último representam o Pranava, no princípio e no fim do Gáyatri Mantra, de acordo com a prática aprovada. É necessário dizer que a divisão em 24 capítulos não é uma mera fantasia teórica, mas baseia-se em fatos indiscutíveis relacionados com a consciência interior. Em outras palavras, o primeiro grupo é constituído por seis capítulos, que formam o pé denominado Gnana, ou do conhecimento; o segundo forma o pé denominado Iccha, do desejo; o terceiro é formado pelo pé denominado Kriya, ou da ação; e o quarto grupo é formado pelo pé denominado Yoga, Samahara ou o pé da Síntese.

Além do mais, a linha de raciocínios e a ordem lógica apresentadas no Gita verdadeiro, referentes a correlação de cada capítulo com o que o precede, e com o que o segue, não pode deixar de apelar à razão do estudante, uma vez que assim fica estabelecido o valor inerente do método adotado. Finalmente, o fato principal sobre o qual Gobhila chama a atenção no curso de seus comentários, é que se deve tomar como perfeita a nova versão, pois ela não é invenção de alguém inclinado a alterar, sem objetivo, o texto dessa incomparável e sagrada epopéia, dando a conhecer assim sua introdução antes que a obra saísse de suas mãos para ser divulgada. É fato que os 24 versos que compõem o vigésimo quinto capítulo apresentam um resumo sucessivamente ordenado, dos 24 capítulos precedentes.

Antes de concluir, podemos acrescentar que foi dito o suficiente para reiterar a afirmação de que a Organização do Suddha Dharma Mandalam é uma das Escolas Esotéricas que existem no globo terrestre como centros de sabedoria ou erudição espiritual; ela é amparada pela Hierarquia, conseqüentemente, a literatura sob sua custódia, que agora pela primeira vez torna-se pública, merece a atenção dos membros da Sociedade Teosófica.

O estudo da literatura do Suddha Dharma Mandalam pode ser feito com proveito, como expressamos a princípio, não só na Sociedade Teosófica, mas também fora dela, por aqueles membros da comunidade hindu que, estando desejosos de obter luz e ajuda em assuntos espirituais, querem ser admitidos na Sociedade Teosófica, buscando tal propósito, e que ao mesmo tempo estão impossibilitados para obter o que desejam, impedidos pelos costumes ortodoxos, com regulamentos e restrições que já não são adequados às condições e circunstâncias atuais. Não há dúvida de que há muitos buscadores da Verdade neste país que se encontram nessa situação anômala e, em prova disso, posso mencionar que quase duzentas pessoas (Índia, 1915) de todas as castas e credos de ambos os sexos, tem buscado e obtido sua admissão no Suddha Dharma Mandalam. Todas as semanas são recebidas solicitações de admissão. Pode ser que uma das razões pelas quais essas almas sinceras evitam serem membros da Sociedade Teosófica são os três objetivos que lhes causam dúvidas.

Sob essas circunstâncias, o que se requer, para uma expansão maior dos ensinamentos fundamentais da teosofia, na sociedade hindu, é a interpretação liberal e veraz das grandes Escrituras Hindus, feitas com a autoridade dos antigos Mestres da Índia e isto é exatamente o que a literatura do Suddha Dharma Mandalam está fazendo. Podemos sustentar esse ponto de vista com um grande número de citações, além dos quatrocentos e tantos versos do tratado de Gobhila, citado e impresso no Sanátana Dharma Dípika, e na edição original do Bhagavad Gita, do Suddha Dharma Mandalam; todavia não é possível fazê-lo na presente ocasião.

Concluímos nosso discurso, já bastante extenso, com a observação de que aqueles membros hindus inscritos na Sociedade Teosófica, que possuem um suficiente conhecimento do sânscrito para fazer esse estudo, renderão um serviço a seu país se dedicarem um tempo para trabalhar na investigação que foi indicada aqui, e assim colocar ao alcance de seus correligionários as verdades douradas, escondidas nos Vedas Shrutis, por meio de apresentação que inevitavelmente exercerá influência benéfica sobre as mentes da geração atual, para as quais são repugnantes as organizações esotéricas fanáticas, como os textos explicativos dos Livros Sagrados, feitos por ortodoxos indolentes e cheios de preconceitos de castas.

Nesse momento, quando a geração atual é animada pelo nobre sentimento de ter uma verdadeira nacionalidade,7 plena do desejo de união e progresso, sem explorar a ninguém, em vez de continuar com divisões e impedimentos, rogamos aos Grandes Seres da Hierarquia que lhes outorguem luz segura e ajuda no bem-estar religioso e social, guiando-os prontamente para um crescente progresso.

Om Tat Sat

Sri Subrahmanyananda
Setembro de 1917

Notas

  1. Vidyas são sistemas científicos e filosóficos que conduzem à adoração meditativa, ou seja, à aquisição de conhecimentos, baseados em dados corretos, cujos temas, ainda que aparentemente opostos, estão centralizados na Síntese. Numa tradução mais linear, podemos traduzir o termo Vidya como Ciência Divina, ou Estudo sobre a Divindade. Brahman é o nome usado para Deus, o Absoluto, nas religiões e seitas hindus. O termo Brahma Vidya refere-se, pois, nesse enfoque, à Ciência que trata do Absoluto.
  2. Dentre as obras previstas para publicação pela Editora Ecos da Síntese, está o “Sanátana Dharma Dípika ou Anushtana Chandrika”, traduzido da obra original em inglês para o português.
  3. Planos ou registros Akásicos: Akâsa ou Akasha é uma palavra em Sânscrito traduzida literalmente como espaço, éter, ou céu luminoso. Segundo o hinduísmo e alguns místicos, Akasha é um plano ou um conjunto de conhecimentos armazenados misticamente no éter, que abrange tudo o que ocorre, ocorreu e ocorrerá no Universo. Segundo dados pesquisados em autores teosóficos, ela é a sutil e supersensível essência espiritual, que preenche e penetra todo o espaço. É preciso, no entanto, esclarecer um pouco mais esse conceito. A substância primordial da qual todo o universo teria sido originado, tem sido erroneamente identificada como éter, visto que se identifica como éter aquilo que  o Espírito representa em relação à matéria. Na realidade, Akasha é o espaço universal em que está imanente a ideação eterna do universo em seus aspectos sempre mutáveis sobre os planos da matéria e da objetividade do qual procede o Logos, ou seja, o “Verbo” ou “linguagem” em seu sentido místico. Akasha, segundo F. Hartmann, é a substância viva primordial correspondente, de alguma forma, à concepção do éter cósmico, que penetra no sistema solar. Todas as coisas são Akasha condensado, que se torna visível através da mudança de seu estado supra-etéreo numa forma concentrada e tangível, e todas as coisas da natureza podem ser, outra vez, resolvidas em Akasha e tornarem-se invisíveis, mudando para repulsão o poder de atração, que mantinha seus átomos unidos. Porém há uma propensão dos átomos, que já constituíram alguma coisa, a ter novamente a união na ordem anterior  e reproduzir a mesma forma, e uma forma pode, pela aplicação da mesma lei, ser aparentemente destruída para, logo em seguida, ser reproduzida novamente. Esta tendência encontra-se no caráter da forma conservada na Luz Astral.
  4. Páginas 31, 32 e 33, da 1ª edição em inglês.
  5. Shakti: Na literatura sagrada, dá-se o nome de Brahma Shakti à parte dinâmica da Divindade;   ela é a Energia que promove o funcionamento do Princípio Vital (Atma) na matéria (Prakriti). É conhecida também como Ma, Yoga Devi, Maya, ou Ideação Infinita.
  6. Bhagavad Gita original - A Srimad Bhagavad Gita ou a Gloriosa Canção do Senhor é uma das mais veneradas Escrituras Sagradas da Índia. A versão tradicional possui 18 capítulos e é mundialmente conhecida. Todavia a versão original a qual nos referimos aqui possui 26 capítulos com 745 slokas ou versos, e é a expressão da Yoga Brahma Vidya ou Ciência Sintética do Absoluto, síntese do mais alto conhecimento espiritual. Essa versão original, revelada pelos Mestres do Suddha Dharma Mandalam, foi editada e publicada pela primeira vez, em sânscrito, no ano de 1917, na Índia, em sua integridade e estrutura originais e posteriormente traduzida para outros idiomas. O Srimad Bhagavad Gita é uma obra sagrada que pertence à humanidade, portanto nenhuma seita ou religião tem direitos exclusivos de propriedade da obra, haja vista as inúmeras edições existentes e as diferentes traduções, apresentadas e comentadas por sábios e eruditos, mestres e estudiosos, tanto orientais como ocidentais. Porém, em todas as edições do Gita, este tesouro do saber humano, mundialmente conhecido e venerado, tanto na Índia como em outros países, era mantida até aquela data, uma estrutura em 18 capítulos.
  7. O artigo foi escrito num período em que a população da Índia lutava pela sua emancipação da Inglaterra.

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